Doenças cardíacas na gravidez: riscos, cuidados essenciais e quando procurar um cardiologista

A gestação representa um desafio fisiológico cardiovascular substancial, especialmente em mulheres com cardiopatias estruturais ou funcionais prévias. Em contextos de saúde pública como o brasileiro — onde o subdiagnóstico, o acesso desigual ao cuidado especializado e a ausência de planejamento reprodutivo cardiovascular são frequentes —, as doenças cardíacas na gravidez configuram uma das principais causas de morbimortalidade materna, sendo as doenças cardiovasculares a principal causa de morte materna não obstétrica no Brasil, superando inclusive causas obstétricas diretas.

1. Fisiologia cardiovascular da gestação: impacto em pacientes cardiopatas

Durante a gravidez, ocorrem adaptações fisiológicas progressivas que alteram substancialmente a dinâmica cardiovascular:

  • Aumento do volume plasmático em até 50%;

  • Redução da resistência vascular sistêmica;

  • Elevação do débito cardíaco entre 30 e 50%, com pico no segundo trimestre;

  • Maior atividade do sistema renina-angiotensina-aldosterona;

  • Maior risco trombótico e predisposição a arritmias.

Essas alterações, embora fisiológicas, podem representar risco relevante em pacientes com doenças cardíacas preexistentes na gravidez. Em especial, mulheres com valvopatias, disfunção ventricular, cardiopatias congênitas complexas, hipertensão pulmonar ou síndromes genéticas (como Marfan) apresentam maior probabilidade de desenvolver complicações graves ou até eventos fatais.

2. Avaliação pré-concepcional e estratificação de risco

Nenhuma mulher com cardiopatia deve engravidar sem avaliação especializada, que inclua anamnese dirigida, exame físico, exames laboratoriais e ecocardiograma, além de estratificação formal de risco.

De acordo com a classificação da Organização Mundial da Saúde (mWHO), as pacientes são classificadas em quatro categorias prognósticas — da classe I (risco muito baixo) à classe IV (gestação formalmente contraindicada).

A avaliação deve considerar tipo e gravidade da cardiopatia, função ventricular, presença de hipertensão pulmonar, arritmias e histórico prévio de descompensações. Casos de doenças cardíacas na gravidez com contraindicação absoluta incluem, por exemplo, insuficiência cardíaca grave, hipertensão pulmonar severa e dilatação significativa da aorta em pacientes com síndrome de Marfan (>45 mm).

3. Principais doenças cardíacas associadas à gravidez de alto risco

Algumas condições cardíacas aumentam significativamente o risco de complicações durante a gestação:

Doenças nas válvulas do coração (como a estenose mitral)

Cardiopatias congênitas complexas, que são defeitos no coração presentes desde o nascimento. Mesmo quando corrigidos por cirurgia, podem deixar cicatrizes ou alterações que exigem atenção

Miocardiopatia periparto: uma doença que pode surgir no final da gestação ou nos primeiros meses após o parto.

Síndromes genéticas, como Marfan ou Loeys-Dietz: são doenças hereditárias que afetam principalmente os vasos sanguíneos.

Histórico de infarto ou entupimento das artérias do coração: mulheres que já tiveram problemas cardíacos antes da gravidez, especialmente se têm pressão alta, colesterol alto, diabetes ou são fumantes, também estão em grupo de maior risco.

Detectar essas doenças antes da gravidez permite que a equipe médica planeje melhor cada etapa: desde o pré-natal até a decisão sobre qual tipo de parto é mais seguro.

4. Manejo clínico durante a gestação e planejamento do parto

Mulheres com doenças cardíacas na gravidez devem ser acompanhadas em centros de referência com equipe multiprofissional: cardiologia clínica, obstetrícia de alto risco, anestesiologia e neonatologia.

A periodicidade dos exames (como ecocardiograma seriado, NT-proBNP, Holter 24h) deve ser individualizada conforme a classe de risco. Os ajustes terapêuticos devem considerar os efeitos teratogênicos de alguns fármacos (ex: IECA, espironolactona, varfarina) e os efeitos hemodinâmicos das drogas utilizadas.

A via de parto não é decidida unicamente por critérios obstétricos. Em pacientes hemodinamicamente estáveis, o parto vaginal com analgesia adequada pode ser preferível. Em casos de descompensação cardiovascular, doenças aórticas ou contraindicações ao esforço, a cesariana programada é indicada.

5. Puerpério e planejamento contraceptivo: riscos e recomendações

O período puerperal é crítico para mulheres com doença cardíaca associada à gestação, pois envolve mudanças abruptas na carga circulatória e alterações hormonais que podem precipitar insuficiência cardíaca, arritmias ou eventos tromboembólicos.

Além disso, o aconselhamento contraceptivo pós-parto deve ser individualizado, considerando o perfil hemodinâmico e o risco cardiovascular da paciente. Dispositivos intrauterinos são geralmente seguros. Já anticoncepcionais combinados (estrogênio-progesterona) são contraindicados em pacientes com risco trombótico ou insuficiência cardíca grave.

Conclusão: doenças cardíacas na gravidez exigem conduta baseada em risco

O cuidado da mulher com cardiopatia que deseja engravidar deve começar antes da concepção, com avaliação estruturada do risco cardiovascular, definição da classe mWHO e construção de um plano de cuidado interdisciplinar.

A cardiologia da mulher não é um nicho — é um pilar de uma medicina contemporânea, centrada em risco, ciência e autonomia.

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Sobre o Autora

Dra. Mônica Figueredo - cardiologia em Natal - RN

Dra. Mônica Figueredo

No blog da Dra. Mônica Figueredo, descubra como prevenir e tratar doenças cardíacas com dicas e orientações especializadas.

 

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