Durante décadas, o tratamento das dislipidemias seguiu um caminho linear: estatinas em doses progressivas, ezetimiba como coadjuvante, e uma conduta muitas vezes passiva diante do risco residual. Mas a ciência cardiovascular não ficou parada — e o risco também não.
A chegada dos inibidores de PCSK9 já havia expandido as fronteiras da terapêutica lipídica. Agora, com o avanço dos inibidores de ANGPTL3, estamos diante de uma nova era: uma abordagem que não trata apenas o LDL-C, mas o fenótipo lipídico completo — incluindo hipertrigliceridemia, HDL baixo e dislipidemias genéticas.
Mais do que baixar um número, o foco agora é reduzir eventos cardiovasculares com precisão, entendendo o metabolismo lipídico de forma integrada. Isso marca uma virada silenciosa, mas profunda, no tratamento das dislipidemias: individualização de condutas com base em marcadores mais refinados, mecanismos diversos e riscos ocultos.
A pergunta que se impõe: quantos pacientes ainda estão recebendo um tratamento incompleto por falta de atualização clínica?
1 – O que são os inibidores de ANGPTL3 e por que eles são promissores no tratamento das dislipidemias?
A proteína ANGPTL3 (Angiopoietin-like protein 3) atua como reguladora-chave do metabolismo lipídico. Ela inibe enzimas fundamentais como a lipoproteína lipase (LPL) e a lipase endotelial (EL), influenciando diretamente os níveis de triglicérides, LDL e HDL.
Os inibidores de ANGPTL3, como o evinacumabe — aprovado pelo FDA para hipercolesterolemia familiar homozigótica — têm um diferencial importante: atuam de forma independente do receptor de LDL, o que os torna especialmente úteis para pacientes com mutações genéticas ou resposta limitada aos tratamentos convencionais.
Além disso, apresentam forte impacto sobre triglicérides plasmáticos, abrindo uma nova possibilidade para o manejo da dislipidemia mista, da hipertrigliceridemia severa e até de pacientes com HDL persistentemente baixo.
2 – Por que isso muda o jogo no tratamento das dislipidemias?
Personalização real
Pela primeira vez, temos um arsenal terapêutico capaz de adaptar-se ao perfil lipídico específico de cada paciente: dislipidemia combinada, intolerância à estatina, histórico familiar de infarto precoce ou mutações genéticas.
Tratamento multi-mecanístico
Estatinas reduzem a síntese de colesterol; ezetimiba bloqueia a absorção intestinal; PCSK9 intensifica a reciclagem do receptor LDL; ANGPTL3 atua em múltiplas vias — incluindo os triglicérides. Assim como na hipertensão, a combinação estratégica se torna o novo padrão-ouro.
Ataque ao risco residual
Mesmo com o LDL “controlado”, muitos pacientes continuam sofrendo eventos. Isso acontece porque partículas remanescentes, inflamação subclínica e lipoproteínas não tradicionais (como a ApoB e a Lp(a)) seguem atuando. A nova geração de terapias vai além do LDL — e isso faz toda a diferença.
3 – As implicações:
Preste atenção além do colesterol “normal”
Mesmo que seu exame de LDL-C esteja dentro da meta, isso não significa que o risco desapareceu. Triglicérides altos, HDL baixo e histórico familiar de doenças cardiovasculares precoces são sinais de que vale investigar mais a fundo.
O tratamento das dislipidemias está em plena transformação. Hoje, não basta baixar o LDL-C: é preciso olhar o paciente como um todo, identificar o risco residual e escolher a estratégia terapêutica mais adequada para aquele perfil metabólico.